O último pedido de Ayrton Senna que a Fórmula 1 honra até hoje

O último pedido de Ayrton Senna que a Fórmula 1 honra até hoje


Ayrton Senna Linha de Estudo

Senna é eterno, ponto. O legado dele vive não só no coração dos torcedores, mas também no modo como a Fórmula 1 se comporta desde sua morte. No especial lá de abril (linkar lá em baixo), a gente falou bastante de todo esse legado - mas tem mais um ponto. Deixa eu te contar.

A história começa quando o Ayrton ainda estava no colo da dona Neyde, tinha nem tamanho pra alcançar o volante. Em maio de 1961, os senhores Stirling Moss, Jack Brabham, Bruce McLaren, Jim Clark, John Surtees e Graham Hill se reuníram em Mônaco.

Se você é entendido de F1, vai me entender: dá vontade de ter estado lá pra ouvir a conversa, né? Mas o assunto deles não era dos mais agradáveis. É que em somente uma década, a Fórmula 1 já tinha um saldo de vinte e um pilotos mortos - em média, um a cada quatro corridas.

A gota d’água foi o Grande Prêmio da Bélgica de 1960, uma corrida de partir o coração. Foi quando o britânico Christopher Bristow bateu e foi ejetado do carro. Com 22 anos, Chris foi decapitado por uma cerca e se tornou o piloto de Fórmula 1 mais jovem morto em pista até então.

E não foi só isso. A corrida seguiu (!) por mais cinco voltas, e Alan Stacey foi atingido no rosto por um pássaro (!!). O carro caiu de um barranco (!!!), pegou fogo e Stacey morreu queimado. Foi o primeiro fim de semana com dois pilotos mortos. Era hora de dar um basta.

Por isso, então, nossos seis queridos se reuniram para pensar em uma maneira de cobrar mais segurança da FIA (a FIFA do automobilismo) - até porque eles gostavam de adrenalina, sim, mas calma lá. Naquela sala, então, nasceu a Associação dos Pilotos de Grandes Prêmios: a GPDA.

A partir dali, era alguém morrer que lá estava a GPDA atrás da FIA pra cobrar não só explicações, mas mudanças significativas. Com macacões antichamas e pistas mais seguras, a Fórmula 1 foi se tornando menos hostil à vida. Aqui, davam até troféu pra pista mais segura!

Só que a GPDA perdeu um pouco da força quando Jackie Stewart (um grande defensor da segurança) se aposentou, e acabou dissolvida oficialmente em 1982. Foi quando a Guerra FISA-FOCA terminou e os pilotos sentiram que podiam confiar no novo modelo da categoria. Que erro.

De qualquer modo, a década de 80 só padeceu em luto quatro vezes, mas ainda existiam falhas. E foi com a agonia de Elio, um italiano de 28 anos, que elas vieram à tona. Era 1986 e agora Ayrton Senna já alcançava os pedais, o volante e, vez ou outra, o pódio da Fórmula 1.

Elio de Angelis era um piloto muito querido. Foi companheiro de Ayrton em 85 e testava sua Brabham na França quando perdeu um dos pneus e bateu. Conhecido pelo estilo preciso ao volante, introvertido entre as pessoas e sensível ao piano, ele ficou preso no que sobrou do carro.

Do impacto, Elio só levou uma clavícula quebrada - mas do carro em chamas onde ficou de ponta-cabeça por 30 minutos, levou uma asfixia que o matou no dia seguinte. Na época, Ayrton só estava na F1 há dois anos, mas um editorial que escreveu já mostra o quanto tinha a oferecer.

“Era um homem inteligente e gentil”, Senna escreveu em italiano. “E na véspera do acidente, cometi um grande erro. Só vi um homem com extintor de incêndio, só um, mas não fiquei muito preocupado”. “Eu deveria ter perguntado sobre outros bombeiros e alertado os outros pilotos”.

“Me sinto parcialmente culpado, porque bastava um corpo de bombeiros adequado e Elio ainda estaria aqui com a gente, aqui entre nós”. “Estávamos muito relaxados. Infelizmente, o irreparável teve que acontecer para percebermos que o perigo realmente existe. Somos responsáveis.”

E é nesse editorial, ainda, que ele menciona: “C’era una volta la GPDA”. Ou melhor, “era uma vez, a GPDA”. Ayrton, então, virou voz ativa e muitas vezes solitária na luta pela segurança na Fórmula 1. Matou o caso do Elio no peito e não raramente levantava a voz por melhorias.

Vamos agora, infelizmente, pro ano de 1994. Dia 31 de abril, Grande Prêmio de San Marino. Últimas 24 horas de vida de Ayrton Senna. No treino classificatório, a Fórmula 1 se vestiu de luto pela primeira vez desde o dia em que De Angelis se foi, dessa vez por Roland Ratzenberger.

Já conversamos sobre o cara incrível e esforçado que o Roland foi e vou deixar tudo lá em baixo, mas entenda que nessa época a morte já não era tida como comum. Por regra, o Grande Prêmio deveria ter sido cancelado, e a decisão de seguir com as atividades indignou Senna.

Em uma conversa com Niki Lauda, ele levantou o plano de ressuscitar a Grand Prix Drivers’ Association. Combinaram que aquele seria o último GP sem uma organização plena e séria dos pilotos. Na quarta, com mais alguns, se reuniriam como fizeram seus ídolos em 1961.

Mas foi na corrida do último Grande Prêmio sem GPDA que Ayrton Senna da Silva fechou as cortinas e se despediu desse mundo. Encerrou seu espetáculo em um circuito mal planejado, uma prova que não deveria acontecer e uma organização que se esqueceu de cuidar de seus pilotos.

Duas semanas depois, no entanto, a Fórmula 1 continuou seu próprio teatro e quase matou mais um: em Mônaco, Karl Wendlinger teve contusões cerebrais graves ao se chocar contra as barreiras mal instaladas. Aí chega, né, meu bem? Não dava pra continuar, não.

Depois de um GP que matou dois, Schumacher, Lauda, Christian Fittipaldi e o melhor amigo de Senna, Gerhard Berger, se reuniram em Mônaco. Familiar, né? Agora a pressão sobre a FIA seria estruturada. Teria organização e planejamento, não gente gritando em uma reunião apressada.

Definiram um presidente: Michael Schumacher, que também seria o diretor da associação - mas perdeu ambos os cargos em uma manobra bastante duvidosa em 2006. Depois dele, vieram nomes como David Coulthard, Nick Heidfeld e Rubens Barrichello. Os cargos são definidos por votação.

Entre eles, em situações de risco, a regra é clara: enquanto não houver unanimidade, ninguém corre. Em 2013, por exemplo, ameaçaram não participar de uma etapa quando seis pneus estouraram durante o GP da Grã Bretanha, e a Pirelli teve que se desdobrar pra torná-los aceitáveis.

Ou na Arábia Saudita, em 2022: os pilotos passaram quatro horas em reunião depois de um míssil cair perto do circuito durante os treinos. Enquanto a organização de prova, a FIA e o governo não convenceram a todos, sem exceção, que a guerra não os atingiria, não houve acordo.

Hoje, a GPDA é o retrato do que o Chefe mais defendia: que os pilotos não são mais uma mera peça entre o banco e volante. Como nós, eles são seres humanos. E tenho certeza que sempre que se reúnem em prol da segurança, Ayrton Senna, em um sorriso orgulhoso, se faz presente.

De Chico Landi pintando uma Ferrari de amarelo a Felipe Massa mudando a estrutura dos capacetes, o Brasil sempre foi parte ativa na história da Fórmula 1. Essa thread foi a quarta de um especial sobre o nosso legado que vai até o Grande Prêmio de São Paulo. Vem comigo?

Se você quiser contribuir pra produção desse conteúdo com qualquer quantia, a chave pix é lauraperandim@gmail.com O especial do Senna de abril e os outros fios sobre o Legado Brasileiro estão todos aqui, ó: x.com/formulalau/sta

Source: laura 🏁